Este tema nada tem de recente, pelo contrário, pois ao fazer uma pesquisa encontram-se estudos e artigos com mais de dez anos. Todavia, é um tema que tem sido falado nos últimos tempos (novamente) de forma equivalente à sensação e ao impacto do bem-estar que o uso de cuidados com a pele representa. Mas será essa relação correta?
Qual o princípio?
De acordo com a literatura disponível, os neurocosméticos concretizam a aliança entre a pele e as neurociências, juntando-se, por sua vez, com a ciência envolvida na produção de cosméticos.
A pele sente?
A pele é um órgão sensitivo. Recebe estímulos do mundo exterior, transmite-os ao sistema nervoso central, que os processa, e cria uma resposta. A distribuição da inervação cutânea é feita por cada um dos 31 pares de nervos que emergem da medula, e inerva uma determinada área, sendo que esta essas áreas anatómicas são denominadas dermátomos. Por isso somos capazes de perceber em que zona do corpo sentimos um determinado estímulo. Por exemplo, quando nos queimamos numa determinada zona do corpo, o nosso reflexo é de fuga imediata; ou quando sentimos calor ficamos ruborizados, devido à vasodilatação. Todos estes fenómenos são de sobrevivência, e são sempre dependentes da capacidade sensorial da pele, que é o primeiro órgão recetor, e da condução nervosa aferente e eferente (do cérebro e para o cérebro).
Quando pensamos em transpor estes mecanismos de ação para os produtos que aplicamos na pele, o assunto torna-se complexo. Ainda assim, existem alguns estudos feitos com péptidos que mostram resultados positivos e promissores (no final deste artigo deixo um estudo disponível para vossa consulta).
É importante lembrar que a pele é uma barreira de permeabilidade seletiva, isto é, nem tudo que colocamos é realmente absorvido, por diversos fatores. Por outro lado, a pele varia em espessura conforme a sua área topográfica, o que deve merecer uma análise justa dos efeitos esperados... Tudo isto constitui um desafio!
Num cenário ideal, um neurocosmético aplicado na pele será capaz de gerar uma resposta pela ligação a um recetor, através de um neurotransmissor, que por sua vez causará um determinado efeito.
E como se processa esta "leitura" na pele?
Alguns autores referem que os queratinócitos dispõe de recetores e, dessa forma, é possível gerar uma resposta. Outros autores revogam esta afirmação, afirmando que os corneócitos, sendo células mortas, não dispõe desta capacidade para a "neurotransmissão" às camadas de pele mais inferiores.
Ainda assim, a abordagem destes produtos tem evoluído cada vez mais para um objetivo de bem-estar, além somente dos efeitos que se visualizam a um certo prazo. Vamos realmente mais longe quando conhecemos quais os efeitos que determinados neurotransmissores têm nos recetores das nossas células, podendo provocar ou inibir um fenómeno. Isso é o princípio básico da farmacologia e da farmacocinética, mas aplicado aos produtos de cuidado da pele, respeitando sempre a legislação em vigor, isto é, respeitando os limites e fronteiras entre um medicamento e um cosmético.
Onde está a semelhança?
Muitas vezes confundida com prazer associado ao autocuidado, a neurocosmética não tem apenas e necessariamente o objetivo de nos trazer plenitude, mas também a melhoria da qualidade da pele e da promoção da sua saúde. O prazer associado ao uso de cosméticos é outro assunto, que tentarei explicar em seguida, e que é antigo. Eu até diria, é o que nos motiva a fideliza a um produto: o prazer que temos ao usá-lo, aliado à sua eficácia. Vejamos porquê...
A visão integrativa do ser humano é há muito tempo defendida por um modelo bio-psico-social. Nos meus quatro anos de licenciatura em enfermagem, e já enquanto profissional desde 2009, este foi sempre, e continua a ser, o lema: o cuidado holístico. Trata-se de uma visão integrativa, e que acaba por ser mais abrangente, já que abraça todas as áreas do ser humano que se relacionam, direta ou indiretamente, com os fatores que contribuem para o seu bem-estar e vida longa, sempre numa perspetiva de equilíbrio e harmonia! Mas, apesar de esta ideia ser fundamental, tem sido cada vez mais difícil colocá-la em prática! A verdade é que temos cada vez mais papéis e tarefas nos nossos dias, quer no âmbito profissional, mas também no seio familiar e entre amigos. As responsabilidades são cada vez maiores. A descompressão é essencial, e cada um encontra a melhor forma de o fazer. Ou isso, ou um Burnout! You choose.... É por isso óbvio que todos precisamos de encontrar um momento de paz, a sós ou acompanhados, e com recurso a todos os fatores que possam contribuir positivamente para ele.
A música e a dança, a leitura, a pintura, dedicação a hortas comunitárias, o desporto, o mar, o campo, os amigos e até o voluntariado e trabalho social, são só alguns exemplos de como podemos sentir plenitude. Skincare é, nos dias de hoje, uma forma de cultivar a saúde interior e exterior. Se for possível associar o prazer associado ao uso dos cosméticos à sua eficácia, então o propósito está cumprido.
Assim se percebe a diferença entre a neurocosmética e o efeito sensorial de bem-estar que os cosméticos nos trazem, e que é cada vez mais apreciado por todos nós!
Quais são os aspetos que estimulam os nossos sentidos?
Cores, texturas, aromas, sons e temperaturas. Precisamos disto enquanto seres humanos. Precisamos, e devemos, estimular o nosso sistema sensorial, como um todo: visão, audição, tato, cheiro e paladar. É assim que começamos por conhecer o mundo, nos primeiros anos de vida, e é desta forma também que aprendemos, fazemos distinções e até desenvolvemos apetências e gostos. É assim, através de todos os estímulos, que é possível “fortalecer” um órgão sensorial em compensação de outro menos (ou mal) desenvolvido, garantindo a sobrevivência.
Ora bem, é inegável que a embalagem de um produto cause impacto no nosso sistema sensorial! Pode calhar ter a nossa cor preferida, e a cor comunica mensagens! Pode calhar ter uma textura que estimula a sensação do tato mais profunda, trazendo-nos alguma memória. O aroma, por sua vez, é tanto um cartão de visita quanto uma viagem no tempo; não é por acaso que cheiramos sempre um produto quando o usamos pela primeira vez, ou que criamos ligações entre aromas, pessoas, datas, acontecimentos, marcas...
Sou Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, e quando trabalhei no serviço de neurologia tinha ao meu cuidado várias pessoas vítimas de AVC (acidente vascular cerebral), e em situações de hemiplegia, anosmia ou disgeusia (perda de força e sensibilidade num membro, perda do cheiro e parda de paladar, respetivamente): Usávamos várias estratégias para reabilitar essas funções. Uma delas é oferecer texturas ásperas, macias ou rugosas, para despertar o impulso nervoso aferente, isto é, a condução do órgão recetor do estímulo ao cérebro. Outra estratégia é dar a cheirar diferentes aromas: doces, cítricos, amadeirados ou ervas aromáticas, com o mesmo princípio e objetivo das texturas, ou seja, a condução por impulso nervoso ao bulbo olfativo, através do cheiro.
O impacto destas estratégias é notável, e por isso sempre soube que cada cheiro ou aroma tem uma emoção, cada textura tem uma emoção, que vão além da resposta fisiológica e puramente física, mas que contribui para a felicidade, ou tristeza, pela libertação de neurotransmissores endógenos responsáveis pelo nosso “estado de espírito”, tal como um dia de sol ou de chuva, ambos feios e ambos bonitos. Mas, voltando à minha experiência profissional nesta área da neurologia, algumas pessoas sentiam-se muito emocionadas com alguns cheiros que lhes eram apresentados, relatando, mais tarde, lembranças de infância.
Este princípio, aliado aos produtos de cuidado para a pele e de beleza, tem na sua mira a sensação que vem de fora: a autoestima após o uso dos produtos e o seu efeito flash (que se vê), a experiência com a textura, a sensação com a visualização da cor e a avaliação do aroma.
Há algum ponto de ligação?
Segundo a evolução humana, desde o desenvolvimento embrionário, sabemos que os folhetos da pele e do tubo neuronal têm a mesma origem: a ectoderme. E assim se abre o grande campo de investigação.
Em resumo...
A diferença principal reside na percepção, e a percepção está dependente dos nossos órgãos sensitivos, e da condução nervosa, bem como da importância que damos ao que estamos a usar e do ambiente envolvente. Os neurocosméticos pretendem ter um efeito direto nos recetores da pele, ao nível da epiderme, com eventual condução à derme, ao passo que o prazer através do uso dos cosméticos se liga mais ao estimulo dos nossos diferentes sentidos (cor, cheiro, tato, som).
Através de ingredientes que mimetizem os neurotransmissores que temos naturalmente, o objetivo é provocar um efeito semelhante num determinado recetor, mas neste caso, a origem do ingrediente está no produto aplicado na pele. Existem produtos cosméticos que afirmam promover o relaxamento muscular e, dessa forma, contrariar a formação de rugas de expressão que se evidenciam na contração muscular (exemplo: o franzir a testa ou um sorriso rasgado).
Deixo de seguida a referência um artigo que fala sobre tema, com alguns exemplos de neurocosméticos. Os artigos não são recentes, precisamente porque este tema também não é recente, mas que ultimamente tem sido injustamente confundido. Espero que tenha sido uma leitura útil de um tema complexo, difícil de abordar e em constante evolução! Ao lerem o artigo que vos deixo, tenho a certeza que vão reconhecer muitos ativos comerciais patenteados e usados em vários produtos do mercado!
Gostava de saber...usam algum destes produtos?
Rodrigues Iwamoto, J. D., de Amorim, T. C., de Paula, A. C. V., Correia Gomes, J. P., & Pedriali Moraes, C. A. (2016). Neurocosméticos: a cosmetologia a favor do bem-estar na terceira idade. InterfacEHS, 11(2)
The Essentials of Psychodermatology. VitalBook file.
Imagens usadas: Pinterest
Obrigada por ler!
Joana
Artigo super completo e interessante. Parabéns